Uma paródia, um arremedo de história, e reconstruída cheia de culpas.
"Bastardos Inglórios" (Inglorious Basterds, 2009), o novo filme do diretor Quentin Tarantino, acusa em todas as entrelinhas o que o cinema pode fazer sem precisar de provas, sem precisar de fatos, pois ele mesmo constrói e reelabora como bem os entender. Neste longa já tão aclamado mundo afora, Tarantino "muda" a história e dá a punição supostamente "merecida" pelos massacres nazistas cometidos durante a Segunda Guerra Mundial (que, a propósito, em 2009 se rememora os 70 anos de seu início).
É o sentimento de vingança a força motriz do filme. Num extremo está o protagonista, o tenente norte-americano Aldo Reine, do Tennessee (um Brad Pitt bastante incomum, com um sotaque im-pa-gá-vel que me arrancou algumas das melhores risadas do filme de duas horas e meia - vide Reine tentando arranhar italiano numa festa, no úlitmo capítulo). Reine lidera os "Bastardos", um grupo de oito soldados judeus norte-americanos que embarcaram para a França ocupada em 1944 com o objetivo de matar krauts (nazistas alemães), perpetrando uma crueldade semelhante às atrocidades nazistas. Essa "justiça com as próprias mãos" segue o padrão de escalpelar os soldados depois de mortos, ou esmagar seus crânios com um taco de baseball (o "especialista" com o taco é o "Urso Judeu", personagem interpetrado por Eli Roth, também judeu. A família de seus avós foi assassinada na Alemanha nazista. Roth, em entrevistas, disse que se sentiu vingado ao interpretar o personagem).
A outra face da vingança é Shoshanna Dreyfuss, uma judia que presenciou o massacre de sua família comandado po um oficial alemão. Anos mais tarde, dona de um cinema, Shoshanna acaba atraindo o interesse de um jovem oficial alemão, ironicamente o protagonista de um dos filmes da propaganda nazi de Goebbels. Decidido que a estreia seria no cinema da moça, à qual compareceria o alto escalão nazista, Shoshanna também decide agir por conta própria e transformar o espetáculo num inferno terrestre.
O propósito é claro: dar o "troco" nos "selvagens" nazistas. E é quase impossível, no final, não estar torcendo pelo sucesso dos Bastardos. Fui contagiada pelo sentimento de satisfação pela vingança "merecida" que emana dos personagens, e quando o escalão nazista foi pelos ares, incluindo Hitler, não pude deixar de aplaudir (ok, sozinha) e me empolgar, quase me levantando da poltrona: "Eeeeita, filme bom da pega!" (Mas, caramba, essa é, de longe, uma das melhores cenas, ao lado da sequência na taverna e do embate final entre Reine e Landa!).
"Bastardos Inglórios" é um filme às avessas, de anti-heróis, de anti-história, de pseudo-vitórias e pseudo-derrotas. Tarantino se supera, provando que "mudar" os fatos evidencia que a história não é de ninguém, e que mexer com memórias tradicionalmente sacralizadas como as da perseguição aos judeus durante a IIGM leva a crer que o processo de perpetuação das mesmas ainda abriga sentimentos tão humanos como ódio, vingança e redenção.
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